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Mídia

Festival Vambora: “a gente faz de tudo para garantir a presença do público e valorizar o artista”

 

Silvana Cordova, representante do Movimento Vambora, fala sobre as motivações e expectativas para o evento que ocorre em setembro, na Arena Pantanal

Fruto da ocupação das ruas e de espaços públicos via artes integradas, o Festival Vambora chega à terceira edição em Cuiabá ansiando por novas conexões. São muitas as perspectivas de maior integração de Mato Grosso no cenário da produção cultural do país com a filiação à Associação Brasileira de Festivais Independentes (ABRAFIN). E ao investir em uma estrutura de qualidade para três dias de programação, com ingressos a preços populares, o evento busca atrair o grande público da capital e demais municípios.

No contexto de novas movimentações no estado pós-pandemia, com o surgimento de selos, produtoras e a retomada de festivais, o Movimento Vambora é peça chave na inclusão da periferia, suas mais diversas manifestações culturais e demandas por profissionalização. Não por acaso, o Festival abraça a cultura hip hop em seus recém completos 50 anos, tendo o rap e as batalhas de MCs em destaque no line-up. 

Criolo, Rashid e MV Bill vem fortalecer essa empreitada. Junto deles — artistas que são referências nacionais por suas trajetórias de compromisso e sucesso —, o conjunto de atrações regionais do festival reflete a busca da curadoria por visibilizar o esforço daqueles que inovam no território mesmo diante de inúmeras dificuldades. 

É disso tudo um pouco que compartilha a produtora cultural Silvana Cordova, uma das idealizadoras do Vambora. Nesse movimento, ela revela a maior das dificuldades: o investimento por parte da iniciativa privada no projeto. As ações do Vambora têm sido financiadas principalmente pelo poder público. A 3ª edição do Festival Vambora tem patrocínio da Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel-MT) e Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT).

De origem periférica e com escola no teatro, Silvana destaca que, além de realizar um evento que sirva de janela para artistas da terra e oferta de atrações nacionais diferentes do que já se vê pelo estado, o Vambora aposta em uma frente de capacitação. É também objetivo do Festival possibilitar as condições necessárias para que artistas e produtores locais possam romper barreiras territoriais e se apresentar em outros festivais pelo país.

Além de tudo, o Festival Vambora ainda oportuniza à população acesso a mais de 40 atrações por apenas R$ 20,00 e meia-entrada. "No fim das contas, a gente faz de tudo para garantir a presença do público e valorizar o artista", afirma Silvana Cordova. A 3ª edição do Festival Vambora ocorre de 28 a 30 de setembro, a partir das 16h, na área externa da Arena Pantanal.

Confira a íntegra da entrevista: 

O que é o Movimento Vambora?

É uma junção de coletivos da arte, principalmente, das artes da periferia. Nos unimos para nos fortalecer. Somos esse segmento periférico que se juntou para fazer essas coisas acontecerem, como o festival e todos os outros projetos que realizamos, tendo recursos ou não. A gente faz de forma colaborativa, com a força, a vontade e a mão de obra que temos disponível. 

Quais as suas origens?

Não sou nem de Cuiabá. Sou do Rio de Janeiro, Nova Iguaçu. Quer periferia maior que essa? Mas vim para cá com meus pais muito nova. Aqui a minha origem é o Coxipó. 

Fale um pouco sobre a Silvana profissional, como ela surge?

Sou publicitária. Filha de jornalista e professora, sempre quis a área da comunicação. E tenho origem nas artes cênicas. Conheci o Cena Onze [companhia de teatro] muito nova, na escola, e entrei pra ser atriz no grupo quando tinha 9 anos de idade. Mas o que me chamava muito a atenção, era como o teatro é feito. Você se via naquele processo de ensaio que durava meses e, de repente, você estava com um espetáculo belíssimo, com cenário, figurino... Sempre muito curiosa, eu perguntava para o Flávio Ferreira [diretor do Cena Onze]: ‘mas como você faz?’. Pensava: ‘mas como é que ele consegue?'. Então ele me explicou certa vez que era com patrocínio, com apoio, e começou a me levar junto quando ia pedir patrocínios, me levava junto quando ia fazer os figurinos. E aí eu deixo de estar no palco para estar nos bastidores com ele. Fiz iluminação primeiro, depois vendi ingressos nas bilheterias. Achava mais legal estar ali do que estar no palco. Quando ele [Flávio Ferreira] me falou sobre editais, comecei a estudar um pouco de leis e conheci a Lei Rouanet. A primeira vez que o Cena Onze se inscreveu na Lei Rouanet eu tinha 11 anos. Não conseguimos captar, mas ganhamos (risos). Então passei a ser produtora exclusiva até que, junto ao Festival Calango, surgiu um movimento de teatro, a Cocar [Coletivo de Comunicação e Arte]. Somei aquela união na época representando o Cena Onze e me aproximei de Jan Moura, Juliana Capilé, e então pensei: ‘posso produzir muito mais’. Fizemos o primeiro Curto Circuito de Teatro na cidade, concomitante ao Festival Calango, com apoio de Mário Olímpio [secretário municipal de Cultura, à época]. Aí já assumo a produção. Conheço outros produtores, como o próprio Mário Olimpio, Mazé Oliveira, Viviene Lozi. A jornada foi aumentando e então passo a atuar em outros segmentos. Foi aí que conheci Magna Domingos [grande nome da produção de artes visuais] e trabalhei com ela. Entrei para as artes visuais, continuando sempre com o Cena Onze, que ganhou o edital do Cine Teatro Cuiabá. Estou até hoje com eles, mesmo em tempos de Vambora, essa associação que hoje atuo e que acolhe todos os segmentos. 

Hoje a Vambora está muito preocupada em democratizar o acesso à cultura. É cultura da periferia, e também é social, não é?

Sim, claro. Porque a gente sabe que às vezes é muito difícil pros artistas até se locomoverem aos locais de apresentação. Muitos deles estão até trabalhando no horário das apresentações, pois precisam recorrer a outras formas de subsistência. Então, quando eles conseguem atender nosso chamado, não medimos esforços para tratá-los como artistas que são. Muitos se surpreendem com o camarim, por exemplo. Também temos uma preocupação com a conservação do local que estamos ocupando, como praças dos bairros. A gente precisa devolvê-la em sua integridade. Os próprios MCs que vão participar das batalhas no festival… A gente está planejando uma maratona de capacitação sobre fontes de financiamento, elaboração de projetos. Buscamos inspirações em batalhas como a Batalha da Aldeia, que oferece um curso de capacitação para MCs. Tem sempre alguém correndo atrás de fontes de financiamento para realizar eventos. 

No caso do Festival Vambora, o que ele vai oferecer de contrapartida para os artistas que participarão da 3ª edição?

Cachê é o mínimo. O festival é resultado do acúmulo de atividades anteriores. Quando a gente começou com alguns dos artistas, eles não tinham nem CNPJ. Nunca tinham emitido uma nota, muitos não tinham nem portfólio. Então a gente vem fortalecendo essa frente, para que se regularizem fiscalmente, tenham condições de atender projetos, de divulgarem seus trabalhos. Assim vamos apostar na capacitação para gestão de carreiras. Vai ter capacitação até sobre como os artistas devem se portar cenicamente num palco. Fizemos parceria com a Lambuza Musical para consultoria de gestão de carreira, e com o Espaço Roda para trabalhar essa parte cênica. Vamos oferecer até corpo de baile para quem quiser adotar em suas apresentações. Então estamos vivenciando um processo de preparar os artistas para qualquer festival do país. E fora que eles vão ter ingresso, a comunidade, família. Os MCs de batalha que se inscreverem nas seletivas também já vão ganhar seus ingressos. E os selecionados para as apresentações durante o festival terão todo apoio de hospedagem, transporte... 

E assim você ainda investe no segmento da dança... 

Vai ter apresentação de dança também, até de sapateado. No lounge vai ter dança, e além das batalhas de rima, vai ter a batalha de break também, que é a cypher. A gente quer ampliar nos nossos eventos essa diversidade de manifestações do hip hop, que tem cinco elementos. 

Quais as proporções de palco, equipamentos, ou algo sobre a estrutura do festival que você queira destacar?

Eu garanto que é uma coisa que não tem em Cuiabá. O palco é o que a gente chama de duas asas, com dois painéis de led laterais. Vamos trabalhar muito com tecnologia. Coloquei toda equipe de produção e técnica à disposição do artista se ele quiser adotar um cenário com vídeos personalizados. Se ele não tiver, a gente vai criar para ele. A house mix também será sucedida por telão. Fora o lounge em formato iglu, todo iluminado para dar lugar à balada depois. A gente investe também em sustentabilidade. Nosso cenário tem itens com materiais reaproveitados. A gente está fazendo também uma consultoria com o Teoria Verde pra gente conseguir realizar um festival Lixo Zero. Vamos ter copos para vender, reutilizáveis. Vai ter triagem, coleta seletiva no local. Até mesmo a equipe orientando o público sobre a destinação do lixo em locais corretos de destinação, a gente aposta também em educação ambiental. 

Quais as referências e inspirações do Festival Vambora?

A gente se inspira, basicamente, nos festivais independentes. Fomos estudando esses festivais. O João Rock é um festival que eu gosto muito, desde que foi lançado. O Coma também é um festival que a gente gosta muito, assim como o Festival Do Sol, que é de uma parceira nossa, a Ana Morena, que também vai estar no festival. Ela, ex-presidente da Abrafin, e a Sara, atual presidente, também vai estar. O Festival do Sol fez 20 anos agora, e foram 20 dias de festival. E eu brinco que o Vambora tem três e está sendo realizado em três dias. Já podemos sonhar. E claro, o Festival Calango também é inspiração por conta da cultura em rede e das artes integradas. A gente também tem muito isso no festival. Espero que o público consiga consumir o máximo possível da nossa arte. 

Qual a importância da filiação da Abrafin?

Quando a gente começa a pesquisar festivais, notamos que a maioria deles era filiado à Abrafin, aí eu lembrei que o Calango era. Então, busquei entender a importância desse “selo”. Conheci as meninas da Abrafin [Sara e Ana] na SIM, feira de música realizada em São Paulo, assisti às palestras delas... Na pandemia vi a Abrafin defendendo os direitos dos artistas da música. E agora está na luta para garantir que os festivais que já têm mais de cinco anos de realização sejam incluídos nos calendários oficiais de eventos dos seus estados, fazendo com que o Estado garanta sua realização. Então a Abrafin vem nos dar esse respaldo político junto a todos os festivais independentes, para conectar realizadores. Isso vai garantir intercâmbio de artistas entre os festivais. A gente quer fazer essas trocas também, tanto é que haverá representantes de festivais no Vambora para ver nossa galera e nós vamos aos festivais deles também para trazer artistas de lá para cá. Neste, a gente já está trazendo o Camomila Chá, que é das meninas do Rio Grande do Sul que também são excelentes produtoras e darão um curso de produção já pela rota dos festivais. 

Falando em parceria, a gente também fez uma parceria agora com o Ecad. Chegamos ao gerente do Ecad em Brasília, que é responsável pelo Centro-Oeste. Alguns artistas veem o Ecad como um grande inimigo do artista, que quer ir lá pegar o dinheiro dele. Mas na verdade, não é. O Ecad atua pela garantia de que o artista vai receber seus direitos autorais. Fui atrás depois ver uma chamada sobre o Selo Ecad durante a Virada Cultural de São Paulo. Então eles vão vir dar uma palestra aqui para falar dos serviços do Ecad e de que forma ele pode favorecer os artistas. Então, além de ganhar o cachê, os artistas terão a possibilidade de ganhar os direitos autorais pelo Ecad. Nessa tentativa de aproximação dos dois lados, já temos um começo. Ao lado da Virada Cultural de São Paulo e Dead Pool, somos os únicos a conseguir o Selo Ecad. Estamos desbravando, inovando. 

Dentre tantos projetos que o Movimento Vambora vem desenvolvendo, por que optou por realizar um festival nesse formato?

O trabalho é praticamente o mesmo desses projetos que a gente faz. De planejamento, orçamentos, curadoria... Mas a visibilidade dos outros é menor. E sempre tenho aquele anseio de mostrar para o Brasil que Mato Grosso tem potência. E tem que ser em um festival. Tem que ser uma coisa grande pra que a gente consiga mídia, artistas nacionais para dar peso, e isso demanda maior estrutura, e aí o evento ganha vulto. Todo mundo ganha, público e artistas. 

E como vocês chegaram na curadoria desta 3ª edição? 

Muita gente me pergunta do Criolo, por que ele? Porque o Criolo dialoga com vários públicos e traz uma mensagem forte da periferia. A gente quer que os nossos artistas tenham a possibilidade de interagir com ele. Ele é um artista completo, de rima, de letra, palco, espetáculo, tato com o público. E o Rashid é um nome muito representativo do LabFantasma, do Emicida com o Fiote e os irmãos. O Lab tem uma atuação muito forte em relação às questões e cultura da periferia e para nós isso é essencial. E o MV Bill, ia vir para o VMB Hip Hop, evento nosso que teve edição recente, mas não conseguimos agenda. MV Bill dispensa apresentações, é cultuado pela galera do hip hop, principalmente pela sua trajetória. 

Acabou que o festival ficou muito mais focado no hip hop porque hoje esse é o anseio maior de quem se dedica à cultura periférica. Porque a ideia do festival não é que seja só rap, mas o segmento da produção musical e artística e do hip hop, e até mesmo do público, anseia por esses nomes. Mas temos também em nossa programação, uma cobertura ampla, com outras vertentes musicais. A gente não pensou em fazer curadoria, mas aí a gente pensou que já temos nossos artistas parceiros, como o Mormaço Severino, de Cáceres, a Karola Nunes com a banda Calorosa. Mas também fomos a muitos rolês onde descobrimos potências, gente que está começando. É muito importante que eles tenham essa oportunidade. A gente aposta muito em MCs que estão começando, a gente encampa a ideia e os conecta a outras redes, assim como nossos palcos. A curadoria se baseou essencialmente por esse giro na periferia, de gente que está se esforçando, correndo atrás. 

Como você percebe o atual momento da produção artística em Mato Grosso e como o Festival Vambora se insere nele?

Estamos fervilhando. Finalmente voltou a fervilhar, por todos os cantos. Temos selos musicais, como o da Sumac, produtoras, como a Lambuza, que estão movimentando os artistas. E a Vambora está colocando a nossa periferia em foco, que por muitas vezes era deixada de lado. Há que se ressaltar, estamos fortalecendo um movimento que começou com a ocupação de locais públicos nos bairros e no Centro da capital, como a Praça Alencastro. A gente sente que estamos juntos agora nesse furacão que está acontecendo, os colocando no palco do festival. Somos peça-chave nessa mobilização. Mato Grosso não será mais o mesmo depois de 2022 para cá. Quem olhar de fora dos limites do nosso estado vai saber que tem algo de muito especial acontecendo aqui. 

E quais os desafios?

Hoje nosso principal desafio é o de conectar com o segundo setor, a iniciativa privada. Tenho tentado muito. A gente precisa também que a iniciativa nos enxergue e diga "sim, também vou investir nisso". A gente ainda enfrenta uma certa resistência, não sei se é pela representação da periferia.Estão acostumados a investir em eventos e ritmos mais tradicionais, como é o caso do sertanejo. Nosso desafio é nos conectar ao segundo setor e reforçar que a periferia também consome, que tem uma fatia em potencial. É um terreno fértil para as empresas. O poder público já entendeu. 

O que o público pode esperar do evento?

Primeiro que ele vai ser histórico. Vai ser incrível. É uma experiência que a gente quer oferecer. A gente quer oferecer experiências. O público não precisa viajar, porque vai ter aqui um evento de três dias com ingressos a preços populares.  Quero que o público sinta orgulho do seu festival, com seus artistas. Um evento com conforto, acessibilidade, segurança, preocupado com a sustentabilidade. Além do Criolo, Rashid, o público vai se surpreender também com os artistas da nossa terra. Tem muita gente boa para conhecer. 

E as preocupações sociais do festival?

Além de tudo que a gente já falou, gerar emprego e renda para a cadeia produtiva da cultura. O time que estamos selecionando também para serviços, por exemplo, de triagem e reciclagem, vão receber capacitação do Teoria Verde. A gente quer ainda incluir reeducandos do semiaberto, da Fundação Nova Chance. Quem vive o sistema carcerário também vive o rap. A gente sonha também com a transformação social e estaremos com o radar ligado para descobrir talentos em potencial. Fora os preços… A gente faz o festival com ingressos custando 20 reais para que toda a população possa assistir. E ainda tem a meia-entrada! No fim das contas, a gente faz de tudo para garantir a presença do público e valorizar o artista, porque queremos oportunizar o acesso a todos.